Palavras que nunca foram ditas


Ele, amado e amável. Um coração puro, dos atos mais grandiosos, dos olhares mais significativos, da mais alta e digna bondade. De tão puro que era foi comparado aos santos, nunca ergueu um dedo para bater em alguém, jamais aumento o tom de sua voz, ele simplesmente se recusava a falar quando lhe era propício.

Ela, egoísta e até um pouco vulgar. Mas até que tinha um coração puro, não tão puro quanto aquele daquele homem, seus atos eram bárbaros, não grandiosos, esplêndidos, os olhares eram perfeitamente intensos, avaliadores, sua bondade resignava as vezes a pena. Mas nunca foi pura, nem sequer se chamou em algum momento de santa, ela jamais se pronunciou quanto a isso, nem para se defender, preferiu emudecer.

Eles nunca haviam se visto, nem sequer sabiam de suas existências, imaginavam se em algum dia encontrariam alguém tão verdadeiro quanto eles mesmos, mas o medo de um olhar em falso ou de falar algo indevido os impedia de procurar.

Mas não foi necessária a procura, um achou o outro, numa manhã qualquer, num parque qualquer, tudo aquilo que os dois pensaram ser verdades absolutas e extremas passou a fazer parte dos cacos estilhaçados pelo que logo se tornou o universo a sua volta.

Os olhares cruzados. Ele sorriu. Ela acenou.

“Se ela avançar eu avanço” pensou ele, “Se ele sorrir de novo eu falo com ele”, ela disse consigo mesma. Ela deu um passo em falso, ele sorriu, um olhou para o outro, e nenhuma palavra saiu.

O olhar de interrogação se estampou no rosto dele, já no rosto dela o de vergonha. “Se eu chamar ela pra sair, será que ela aceita?” ele começou a se indagar, “Fica muito chato se eu decidir chama-lo pra tomar um café?” ela se perguntou.

Ele olhou para baixo, sua voz quase falhara depois de tanto desuso “Ah, Oi. E Tchau”, ela respirou e só disse “Tchau”. Os olhares continuaram se acompanhando, ambos pensando “Por que fui tão covarde?”.

Ele nunca soube a resposta. Ela chegou a imaginar, de forma errada o motivo. As palavras que eles tanto lutavam para não usar enfim lhes fizeram falta, e em algum momento qualquer, tudo isso pode voltar a acontecer, se não com Ele e com Ela, comigo e com você.

( Felipe Marquezelli )

1 Comments:

@diegohag disse...

Meu caro, estou aqui cumprindo minha palavra de visita. Gostei bastante do seu texto, gosto de como escreve. Me lembrou MUITO um conto do Luiz Fernando Veríssimo. Sugiro que leia o livro "Comédias da Vida Privada". Esse é o resumo do conto que falo:

Sala de espera

Uma mulher jovem e muito bonita e um homem com seus quarenta anos encontram-se na sala de espera do dentista. Os dois interessam-se um pelo outro. Pensam em falar muita coisa. Mas no fim acabam não dizendo nada. Aí a enfermeira abre a porta e diz: - O próximo. E eles nunca mais se vêem.

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