Percepção


Eu estava andando pela rua. Normalmente como sempre faço, depois do serviço. Fui passar em um caixa eletrônico. Assim que estava saindo, um cara me parou, por de trás de mim, colocou uma arma na minha cabeça, foi me empurrando para a parede e por lá eu fiquei.


“Passa toda a sua grana”.

Eu estava em choque, não conseguia responder e nem me mover.

“Anda, seu mudinho, passa a sua grana”.

Eu não consegui me mexer, estava frio, suando, a mão ensopada, não conseguia respirar direito. Eis que eu ouço o tiro. A bala vinha em câmera lenta em minha direção, eu não conseguia me mexer e o medo estava fazendo com que eu revivesse todos os momentos da minha vida.

De repente eu tinha não sei quantos meses, e estava andando pela primeira vez. A cena mudou, agora eu tinha doze anos, e estava beijando pela primeira vez. Depois voltei no tempo, tinha pouco mais de seis anos, e ganhava meu vídeo-game. E então eu tinha de volta meus dezesseis amados anos, a idade que tenho agora, e estava pela primeira vez na cama com uma garota.

E eu me vi, depois, assumindo as responsabilidades que meu pai deixou para trás. Então tinha treze anos e lembrei-me da minha primeira namorada. E depois eu tinha onze e estava no estádio do meu amado time pela primeira vez. E depois eu estava sentado, escrevendo um texto tão longo que ainda não havia terminado, era meu livro, incompleto.

E então, a bala me atingiu. Eu senti o sangue escorrer pela minha barriga. Eu senti a quentura que a bala proporcionava. Ouvi de longe os gritos de alguém que presenciara, e o cara fugir. Ouvi um telefone sendo discado, mas não enxergava mais nada. Ainda estava semi-acordado quando ouvi a sirene chegando perto. Mãos suaves tocaram meu corpo e viram que eu ainda tinha chance. Levaram-me para a ambulância.

Não me lembro de mais nada desde então. Acordei, não sei quanto tempo depois, e na verdade não sei nem se acordei. Estava eu de branco, num lugar todo de branco, e eu via de muito longe duas pessoas abraçadas, depois de um longo tempo percebi que estavam chorando, pensei que eu estivesse morto.

Tentei me mexer, mas eu sabia que ainda estava desacordado. Minhas amigas chegaram junto com minha mãe no hospital e eu as vi chegarem. Não sei como e não sei o motivo. Mas eu vi. E então eu acordei. Estava em um quarto. Tentei me mexer, mas não conseguia.

Minha mãe entrou chorando e me abraçou. E depois de tudo eu percebi o quão bom era ainda estar vivo.

( Felipe Marquezelli )

1 Comments:

@diegohag disse...

É sério isso?

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